sábado, 24 de maio de 2008

10 para 20



Hoje o texto não terá profundidade. Não será algo de que o Estorieta possa realmente se sentir orgulhoso de ter alguém que nele escreve, assim, tão bom. O texto desse dia 24/05/2008 é comemorativo. Nesse dia, há 20 anos atrás eu estava nascendo e eu não me lembro como era. Mas eu lembro de hoje. Sei quais serão as cobranças daqui pra frente, as mudanças... Talvez não saiba como lhe dar. Eu ainda não me sinto com 20 anos. Nem ao menos sei identificar como se dá esse processo em que se fica mais velho, os desejos aumentam de uma maneira tão perigosa que jamais poderei deixar de não ficar atento e de, supostamente entrar pra fila da responsabilidade. Não sei nem ao menos se isso se dá dessa forma. Tenho tanto medo do futuro que cordialmente alcanço o presente com a preguiça de quem não quer chegar lá. Não quero fazer de cada dia 24 de maio daqui pra frente um calvário, porém, seria de extrema utilidade que eu realmente me fizesse sem rumo, como uma pedra rolando.
A originalidade de se ter 20 anos é tão magistralmente defeituosa que chega a parecer balões de festa que já estão furados desde antes dos sacos serem abertos. Quero dizer, exceto aos que morrem antes, todos nós fazemos 20 anos. Cristo fez 20 anos, Marx, Bob Dylan e Emiliano Zapata também. Todos fizeram coisas brilhantes e bem originais, mas todos fizeram 20 anos igualmente, como um grande supermercado ou drogaria. Nem esse texto é original. Bem, as palavras de certo são minhas, mas eu surrupiei o título e o que vem a seguir do Zeca Camargo que fez algo semelhante no blog dele quando ele estava completando algum aniversário na casa dos 30. Trinta é mais difícil que 20. Mas também não é tão original quanto se parece. Contudo, seria uma hipocrisia completa dizer que não estou feliz. Estou tão feliz que escolhi dez músicas que mais me marcaram ou que o momento me revelou agora. Dez músicas para vinte anos. Nesses 20 anos, elas vieram e ficaram na ponta da minha língua e nos buracos dos meus ouvidos, buscando só serem alguma coisa através dos meus sentimentos. Não vou numerá-las porque cada uma teve sua importância. Não vou numerá-las porque eu sou tão comum agora que elas vêm por mim tão comuns quanto eu. Não vou porque sou comum e tenho 20 anos, talvez até como você.


A Lista

Like a Rolling Stone - Bob Dylan
Eleanor Rigby – The Beatles
Todo Carnaval Tem Seu Fim – Los Hermanos
How To Desapear Completely – Radiohead
London, London – Caetano Veloso
Given To Fly – Pearl Jam
Para Abrir os Olhos – Vanguart
About a Girl – Nirvana
Sunday Morning – Velvet Underground and Nico
Espelho – João Nogueira

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Sessão Conto - A prova de Inglês


Danilo, treze anos, tentava desesperadamente estudar trancado no seu quarto. A recuperação se aproximava com a velocidade de um jato. Aliás, jato era uma palavra que não saía da cabeça do menino. Sua mãe, havia mantido seu jato de controle remoto guardado e escondido desde que soube dessa história de recuperação, ela não havia ficado nada contente. É claro que para ter seu avião de volta ele tentaria de qualquer maneira burlar aquela situação adversa pra se encontrar com seu brinquedo novamente.

A professora de inglês de Danilo era, chamando generosamente, um demônio e as suas avaliações se tornavam martírio na mão dos guris que urinavam-se de desespero. O que Danilo não sabia, era que o maior castigo imaginado por sua mãe não era deixar de pilotar seu avião, comprado pelos avós com muito custo. Nem tão pouco perder as saídas com os amigos. A mãe já havia decidido que se houvesse repetência, Danilo iria estudar um ano numa escola pública da região. Ele não sabia, mas ali, naquele quarto, sua luta não era somente pelo avião de granfino que ganhara dos avós depois de alguns anos recebendo presentes de vestir ou de comer no aniversário. Danilo lutava por sua permanência numa classe onde seus maiores medos e preconceitos se escondiam e podiam permanecer ocultos até os papos com os amigos e as brigas e peladas contra os moleques mais pobres e que estudavam no ‘Brizolão’ mais próximo de sua casa e escola.

No dia do maldito exame, foi o primeiro a acordar. Arrumou-se e tomou café com uma motivação jamais vista desde os tempos do ensino infantil, saiu adiantadamente, com a disposição em alta. Mas, bastou sentar-se à carteira para sentir o estômago dar saltos dentro de si. Observou o relógio e nem ao menos ouviu os brados de lealdade invocados pela professora, tentando alertar os alunos para que não cometessem o pecado capital da cola, ainda mais com uma professora tão rígida. Recebeu a prova. Sentiu suas mãos suando frio e o estômago agora pipocava em seu ventre. Lembrou-se do avião, da mudança de escola não, ele nem desconfiava o quão grave era a situação. E pronto! Havia começado a fazer a avaliação de recuperação em inglês.

Cada vez mais, melancolicamente via seu destino mais claro nas entrelinhas da prova. Tudo se parecia impossível de se resolver. Tudo que havia estudado no seu quarto antes, não passava de besteiras sem sentido. Para não dizer que tudo era um inferno, Danilo estava se virando com as questões mais fáceis. Porém, nas mais difíceis, e consequentemente as que mais valiam pontos, estava se arruinando e vendo sua determinação encerrar-se. Já não tinha mais jeito. Era entregar a prova e rezar por uma nota cinco. Era tudo o que Danilo precisava.

Chega o dia do resultado. Não com o mesmo afinco anterior, Danilo se dirige à escola com a esperança no coração. Ainda sem saber seu principal castigo, caminhava como um zumbi, sem perceber absolutamente nada ao seu redor. Pensava exclusivamente na sua nota. ‘Só um cinco’, pensava ele. A entrada da escola apinhava-se de alunos ávidos por suas salvações ou condenações para uma vida futura de estudos, estudos e estudos. Quando sua série foi chamada para receber o boletim, Danilo sentiu na espinha um frio dos Andes. Calou-se repentinamente e deixou o animado papo sobre futebol com os amigos para depois. Isso se houvesse depois...

Depois das piores férias da sua vida, Danilo teve de se contentar e consolar com a escola pública. Ia diariamente triste, como se fosse para uma forca. Não engolira o quatro e meio que a maldita professora de inglês havia lhe dado na prova. ‘Um absurdo!’, bradava ele. Um dia, depois de sofrer na mão dos antigos desafetos todo o tipo de ‘barbaridade’ escolar, chegou em casa aos berros

- Mãe, não quero mais voltar pra lá! Por favor, não me deixa voltar!

- Foi você quem desperdiçou a chance Danilo, não eu.

No dia seguinte, levantou-se com um comportamento muito estranho. Como no dia da prova de inglês que o levou ao fracasso, foi o primeiro a levantar-se. Foi até o quintal, colocou na mochila uma pequena lata de tinta que há tempos estava jogada num canto, pegou no banheiro um velho batom da mãe e seguiu rumo a seu martírio diário. Passou antes na antiga escola e vendo tudo fechado e ainda vazio, como previu, pintou com a tinta do avô no portão branco ‘SUNDAY MORNING, NEVER MORE’, a frase que o tinha reprovado. Seguiu então para sua nova escola. O olhar perdido de uma mente mergulhada na insanidade pairava sobre seu rosto mais que as sardas e espinhas. Entrou na nova escola como um jato, o jato que jamais conduziria de novo, e foi logo sendo importunado por seus novos colegas de classe. Pintou então, com o batom da mãe, a mesma frase que havia pintado no portão de sua antiga escola na camisa branca de seu uniforme. Foi para o alto do prédio, onde a quadra de esportes reinava absoluta no último andar. Sem ao menos explicar ao inspetor o porquê do seu uniforme pintado, fugindo as regras do colégio, atirou-se lá de cima. Caiu no gramado como um herói com a frase ‘SUNDAY MORNING, NEVER MORE’ no peito. Finalmente havia aprendido um pouco de inglês.







Guilherme Cabral




Para ler ouvindo - Sunday Morning / The Velvet Underground and Nico